Entre Palavras

CARLOS

“Entre coisas e palavras – principalmente entre palavras – circulamos. A maioria delas não figura nos dicionários de há trinta anos, ou figura com outras acepções. A todo momento impõe-se tomar conhecimento de novas palavras e combinações de.
Você que me lê, preste atenção. Não deixe passar nenhuma palavra ou locução atual, pelo seu ouvido, sem registrá-la. Amanhã, pode precisar dela. E cuidado ao conversar com seu avô; talvez ele não entenda o que você diz.
O malote, o cassete, o spray, o fuscão, o copião, a Vemaguet, a chacrete, o linóleo, o nylon, o nycron, o ditafone, a informática, a dublagem, o sinteco, o telex… existiam em 1940 ?
Ponha aí o computador, os anticoncepcionais, os mísseis, a motoneta, o Velo-Solex, o biquini, o módulo lunar, o antibiótico, o enfarte, a acupuntura, a biônica, o acrílico, o tá legal, o apartheid, o som pop, a arte op, as estruturas e infraestrutura.
Não esqueça também (seria imperdoável) o Terceiro Mundo, a descapitalização, o desenvolvimento, o unissex, o bandeirinha, o mass media, o Ibope, a renda per capita, a mixagem.

Só? Não.Tem seu lugar ao sol a metalinguagem, o servomecanismo, as algias, a coca-cola, o superego, a Futurologia, a homeostasia, a Adecif, a Transamazônica, a Sudene, o Incra, a Unesco, o Isop, a OEA e a ONU. Estão reclamando, porque não citei a conotação, o conglomerado, a diagramação, o ideogema, o idioleto, o ICM, a IBM, o falou, as operações triangulares, o zoom e a guitara elétrica. (…)
Olhe aí a fila – quem? Embreagem, defasagem, barra tensora, vela de ignição, engarrafamento, Detran, poliéster, parafernália, filhotes de bonificação, letra imobiliária, conservacionismo, carnet da girafa, poluição. (…)
Fundos de investimentos, e daí? Também os de incentivos fiscais, know how. Barbeador elétrico de noventa microrranhuras. Fenolite-Baquelit. LP e CD. Alimentos supercongelados. Viagens pelo crediário. Circuito fechado de TV na Rodoviária. Argh ! Pow ! Click!
Não havia nada disso no jornal do tempo de Venceslau Brás, ou mesmo, de Washington Luis. Algumas dessas coisas começam a aparecer sob Getúlio Vargas. Hoje estão ali na esquina, para consumo geral. A enumeração caótica não é uma invenção crítica de Leo Spitzer. Está aí, na vida de todos os dias. Entre palavras e combinações de palavras circulamos, vivemos, morremos, e palavras somos, finalmente, mas com que significado, que não sabemos ao certo?”
(Carlos Drummond de Andrade In Poesia e prosa (1988), Rio de Janeiro: Nova Aguilar)

 

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