BUSCANDO A CRISTO CRUCIFICADO
A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos,
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.
A vós, divinos olhos, eclipsados
De tanto sangue e lágrimas cobertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por não condenar-me, estais fechados.
A vós, pregados pés, por não deixar-me,
A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa, pra chamar-me.
A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.
Este soneto ilustra uma característica típica do Barroco: o uso de situações ambivalentes, que possibilitam dupla interpretação. Assim, os braços de Cristo são apresentados como abertos e cravados (presos); seus olhos estão despertos e fechados, cada um desses estados permite ao poeta fazer uma interpretação sempre positiva do gesto divino. Os braços estão abertos para acolher o fiel que se dirige a Deus e cravados para não castiga-lo pelos pecados que ele cometeu.
O soneto desenvolve uma argumentação que busca convencer o leitor de uma verdade religiosa: o perdão de Deus é absoluto. A imagem de Cristo crucificado dá origem às metonímias ( utilização da parte para referir-se ao todo) que constituirão os argumentos apresentados por Gregório de Matos Guerra. Cada uma das partes do corpo de Cristo representa uma atitude acolhedora, magnânima, uma manifestação de bondade e comiseração.
Os versos 5, 9, 10, 11, 12 e 13 constroem-se com a omissão do verbo, já referido no 1º verso – correndo vou. Em todos eles ocorre o procedimento estilístico denominado zeugma. Assim nos versos mencionados você deve ler:
- A vós (correndo vou) divinos olhos, eclipsados.
- A vós (correndo vou) pregados pés, por não deixar-me,
- A vós (correndo vou) pregados pés, por não deixar-me,
- A vós (correndo vou) sangue vertido, para ungir-me,
- A vós (correndo vou) cabeça baixa, pra chamar-me
- A vós ( correndo vou) lado patente, quero unir-me,
Outro recurso estilístico utilizado pelo autor é a anáfora – repetição de palavras no início de dois ou mais versos. Observe o poema a repetição da expressão “ A VÓS”.
Na última estrofe, podemos identificar o tema do FUSIONISMO: o fiel, reconhecendo os sinais de que será acolhido por Deus, manifesta o seu desejo de “ficar unido, atado e firme” ao Cristo crucificado
Bom e sucinto o seu comentário.
Parabéns!
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Uma dúvida minha: No verso 4 temos uma ênclise (pronome ‘me’ depois do verbo ‘castigar’). No entanto, a presença do ‘não’, pela gramática, forçaria a próclise: “E, por não me castigar […]”. O mesmo ocorre no verso 8.
Pergunto: 1) Por que o poema original não seguiu essa regra? É uma regra recente ou foi erro de digitação? 2) Caso o poema original esteja mesmo com ênclise nos versos 4 e 8, diante dessa regra gramatical devemos corrigir o poema, ou mantê-lo em sua forma original?
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Antônio, primeiro obrigada pelos elogios. Em relação à colocação pronominal ou mesmo em outros casos de transgressões gramaticais, tenho o seguinte posicionamento: respeitar a obra. Entretanto, caso alguém queira fazer a correção estará sustentado pela regra gramatical.
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aguardando moderação.
Parabenizo também por não ter repetido erro no verso 6, comum na Internet: “De tanto sangue e lágrimas ABERTOS”.
O correto é como você grafou: “De tanto sangue e lágrimas COBERTOS”.
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Olá, preciso de ajuda. O que viria a ser o “lado patente”?
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Na última estrofe, onde consta a expressão “lado patente” pode ser interpretada: Na última estrofe o eu-poético faz uma conclusão muito ousada, ao dizer que mesmo depois de tantos pecados e tantas faltas cometidas ao longo da vida, ele possui o direito de alcançar a absolvição dos seus pecados, afim de que possa viver na vida eterna ao lado de Cristo. Afinal ao lado é estar próximo e patente é claro, comprovado, incontestável.
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