Análise: No Meio do Caminho

PEDRA

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) conheceu a notoriedade em 1928. Nesse ano, aparecia nas páginas da revista Antropofagia, o polêmico poema “No meio do caminho”.

No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra. ( Carlos Drummond de Andrade)

Esse poema causou controvérsia. De um lado, os modernistas o reconheciam como uma manifestação significativa dos novos valores estéticos. Do outro, a opinião pública via o poema como uma síntese do desrespeito da nova geração de poetas em relação à boa literatura. Entretanto, é  preciso uma leitura mais atenta para percebermos uma profunda reflexão sobre a existência, infelizmente o anedótico que é tão perceptível esconde o filosofar: no Meio do Caminho evoca o primeiro canto de A Divina Comédia, de Dante Alighieri. Esse segmento-título insistente reiterado na pequena composição de Drummond é tradução literal das palavras iniciais do poema de Dante.

Dante narra. Tendo perdido o caminho verdadeiro, achava-se embrenhado em selva escura. Recorda relutante. A experiência foi dolorosa. Mas, o Bem que por fim alcançou anima-o a prosseguir.

No Meio do Caminho apresenta-se como narrativa frustrada. a jornada não progride em direção ao bem. os três versos iniciais e os três finais são inversamente simétricos. De sorte que o poema gira sobre si mesmo e se fecha.

A Divina Comédia é um poema em espiral. Começa na selva escura e culmina nos píncaros da luminosidade divina. Todos os obstáculos são transpostos. O percurso entre esses dois extremos traça o aperfeiçoamento gradativo do homem.

No Meio do Caminho é um poema em circular. O executor perfaz continuamente o mesmo percurso. O movimento circular deixa irremissivelmente no princípio quem está a caminho. A pedra erige-se em símbolo de obstáculo intransponível.

O ritmo não é criado pela tonicidade ou pelo som, mas pela reiteração dos mesmos segmentos. Marca iconicamente a marcha em círculo nas origens. Esse ritmo reiterativo mantém a pedra na esfera de ação do observador. No seu movimento circular a pedra se move em torno do observador. O observador faz menção a si mesmo nos versos centrais do poema. Na realização do poema a experiência se espacializa. A pedra envolve o poema em insistentes aparições. Age como um sortilégio, só quebrado por um ato de reflexão. No entanto, nem aí a pedra sai da esfera do observador. Antes o observador como que se tinha esvaziado na observação da pedra. ao se apreender, reflete ainda sobre si em face da pedra.

E, desde que o observador é executor de uma ordem que se menciona, em busca de um bem que também não se define, o observar converte a pedra em problema no sentido primitivo. Algo que foi posto diante dele como obstáculo.

Na sua presença passiva a pedra se transforma em oponente – densa e inerte, A inércia irremovível da pedra fatiga as retinas. Presa nas malhas da memória, a pedra se fixa no caminho. Não há promessa de ir além. O caminho sugere o além. A pedra o converte em presença negada: ausência.

O conflito faz-se tácito. O olhar e pedra. A fadiga é a do homem abandonado e fraco do Poema da Sete Faces. A despreocupação em caracterizar o Eu e a ausência de outras determinações espaciais além do caminho e da pedra criam o vácuo em torno do executor abandonado. Errante, sem paisagem, sem ordenador, sem auxiliar, inerte diante do oponente também inerte. Respira-se a angustiante atmosfera das soluções impossíveis, a opressiva presença do nada.

FONTE:

SCHULER, Donald – A Dramaticidade na Poesia de Drummond.  Editora da URGS.

 

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